Data da morte:Entre 20 e 24 de março de 1986

Local: Miradouro

A morte de João Dias Paes (conhecido como João “Laurindo”), cunhado de Nelson Randolfo, e de seu filho, Wantuil Dias Paes, moradores de Miradouro, também podem estar relacionadas à família Ribas. Isso é o que indicam cartas, depoimentos, relatos sindicais e artigos de jornais pesquisados pela Covemg.

Em março de 1986, os corpos de pai e filho foram encontrados abandonados na estrada de Raul Soares, município próximo a Miradouro, com sinais de violência. Há indícios de que eles tenham sido torturados, amarrados vivos em um automóvel e arrastados. Eles estavam desaparecidos há alguns dias. Há suspeita de que o assassinato teria relação com a morte de Antônio Ribas de Oliveira (Antônio Cadete), ocorrida algum tempo antes. A família Cadete suspeitava que a família Dias Paes poderia ter oferecido refúgio ao/s assassino/s de Antônio Cadete e estaria ameaçando-os.

Além dessa suspeita, desavenças por conta de questões de terra também podem ter motivado as mortes. Os Cadetes ficaram conhecidos na região por mudar de lugar as cercas de suas propriedades sem o consentimento de vizinhos e de agir com truculência quando contrariados.

Segundo denúncia encontrada no arquivo da CPT-MG, “[...] os Cadetes estariam pressionando pequenos proprietários a venderem suas propriedades a preços inferiores aos de mercado. Quem resistia às ofertas de compra recebia, em troca, ameaças, espancamentos e tocaias.”

Conforme documentos localizados no acervo da Ruralminas, Antônio Ribas de Oliveira era ocupante de 13,5 hectares de terras devolutas referentes à fazenda Pai Inácio, na região de Miradouro, as quais requereu medição e direito de aquisição preferencial em 1981. Dessas terras, dois hectares haviam sido adquiridos em 1961 e faziam divisa com propriedade de, entre outros trabalhadores, Laurindo Dias Paes, o pai de João e avô de Wantuil. Em 1982, a fazenda Pai Inácio foi finalmente concedida a Antônio Ribas de Oliveira pelo Programa MG II por meio de pagamento de Cr$ 9.639 à Ruralminas.

Quatro anos depois, a carta de socorro assinada pelo padre Agostinho Vanden Broek, então responsável pela paróquia São Paulo, de Muriaé, reforça o clima de terror que acometia Miradouro e descreve detalhes dos bastidores dos crimes:

"[...] Devido à inoperância da polícia, o povo acabou fazendo justiça pelas próprias mãos matando o sr. Antônio Cadete. [...] Tem uns trinta capangas da família Cadete que armam tocaias e à noite ninguém mais tem coragem para sair. O povo está com medo e ninguém mais quer se comprometer com nada. De outro lado existe um grupo que planeja vingança, caso alguém venha a morrer. E o pessoal da comunidade quer evitar isso. [...] José Todd [Tote] [...] informou que já houve morte de um homem pobre, pai de oito filhos, que trabalhava para os Cadetes. Diz também que a polícia não age, pois acham que tem alguém poderoso dando cobertura aos acontecimentos. Como última notícia ele me falou do desaparecimento de um pequeno proprietário com o seu filho [João e Wantuil Dias Paes] que foi acusado de ter escondido os matadores do Antônio Cadete. Disse que 4 homens vestidos como policiais entraram na casa deste homem e sumiram com ele. Não sei se o homem voltou ou morreu, como eles estavam suspeitando."

As informações acima, extraídas da correspondência da paróquia, datada de 26/03/1986, faziam um alerta sobre o perigo e também sobre o possível envolvimento de policiais. Presidente do STR de Miradouro na ocasião, José Maria dos Santos se recorda da comoção da cidade após a morte dos Dias Paes e diz que a atuação da família Ribas se concentrava no distrito de Monte Alverne e em localidades do entorno, como Araponga, Ervália e São Francisco do Glória.

"Eles tinham coragem de matar mesmo. Tinham capangas e matavam com requintes de crueldade. Houve um caso [da família Dias Paes] em que eles atiraram na[s] vítima[s] e depois arrastaram a[s] vítima[s] de carro, com requintes de crueldade. [...] A informação que eu tinha é que eles foram amarrados num carro e foram arrastados na estrada. Mas eu não lembro se ele[s] levou[aram] tiro antes, se foram espancados e depois teve o tiro de misericórdia [...]. Foi homicídio duplo que apavorou a cidade."

Tanto a correspondência do padre Agostinho quanto o depoimento de José Maria reforçam o medo da população local, a relação com a polícia e a descrença que justiça pudesse ser feita. “Teve um período que ninguém saía à noite [...]. Se encontrasse um carro na estrada já pulava no mato com medo de ser Cadete. Virou um terror na época. Mas, diretamente, o sindicato não teve intervenção direta com ele”, conta José Maria dos Santos. Ainda que o sindicato denunciasse e informasse aos outros sindicatos e à CPT as ocorrências, havia sensação de impunidade, devido à proximidade entre os fazendeiros e as forças políticas locais. “Ele [Antônio Ribas] andava com o prefeito para baixo e para cima, e o prefeito se sentia até protegido por ele. Esse Nico Dias [prefeito Antônio Calixto Dias].”

Artigo do jornal Pelejando de maio de 1986 anunciava já no título o “terror e medo em Miradouro”, ao tornar pública a morte de João e Wantuil Dias Paes, informando:

"Atribui-se o crime à família Ribas (mais conhecida como ‘Cadetes’) [...]. Com este, eleva-se para 12 o número de crimes na região. Todos sem solução jurídica, apesar de serem conhecidos os culpados."

O artigo noticiava também que os dois teriam sido sequestrados e mortos em 20/03/1986, mas que os corpos só teriam sido localizados na estrada de Raul Soares três dias depois. Já o livro “Camponeses mortos e desaparecidos: Excluídos da Justiça de Transição” informa o dia 21, e o anuário “Conflitos de Terra no Brasil, 1986,” da CPT, diz que a morte teria sido em 24/03/1986 e identifica a família Ribas entre os agressores.

Os nomes de João e Wantuil Dias Paes são citados nas publicações “Camponeses mortos e desaparecidos: Excluídos da Justiça de Transição”, “Conflitos de Terra no Brasil, 1986”, “Conflitos de terra, vol II, 1986”, “Relatório final: Violações de Direitos no campo 1946 a 1988” e “Fetaemg 30 Anos de Luta: 1968-1998”.

A Covemg não conseguiu descobrir se o assassinato de João e Wantuil Dias Paes contou com inquérito policial nem identificar o processo criminal. Ofícios foram enviados às delegacias de Polícia Civil de Miradouro e Muriaé, que não retornaram até a conclusão da redação deste Relatório. A ficha referente ao caso não foi localizada no Fórum da Comarca de Muriaé.

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