Data da morte:04/04/1964

Local:Governador Valadares

Otávio Soares da Cunha, filho de Anna Soares de Almeida e Roberto Soares Ferreira, nascido em 1898, em Minas Gerais, era farmacêutico em Governador Valadares e pequeno proprietário rural. Foi assassinado aos 66 anos, em Governador Valadares, onde sofreu um atentado, juntamente com os seus filhos Wilson e Augusto. A família pretendia retirar Wilson da cidade, devido aos rumores de que ele era considerado comunista pelas forças de repressão.

Os três se encontravam dentro do carro da família, quando foram abordados por Maurílio Avelino de Oliveira (fazendeiro, reservista e reincorporado à PM). Fingindo ser amigo, o miliciano se aproximou do carro e retirou a chave da ignição. A seguir, juntamente com seus acompanhantes Lindolfo Rodrigues Coelho e Wander Campos (também reservistas reincorporados à PM), disparou contra a família Soares. Augusto, de 33 anos, faleceu no local, enquanto Otávio, mesmo alvejado, conseguiu abrir a porta do carro e engatinhar em direção a casa de Wilson, mas foi atingido por um tiro no rosto, disparado por Lindolfo, falecendo três dias depois. Wilson ficou gravemente ferido, mas foi o único sobrevivente. O atentado à família Soares, que resultou em duplo assassinato por meio de execução sumária, é comprovadamente o primeiro crime da ditadura militar no Estado de Minas Gerais.

A morte por execução sumária de Otávio e Augusto e o atentado à vida de Wilson estão ligados ao ambiente de disputa pela terra entre latifundiários e trabalhadores rurais. Dos três filhos de Otávio, Wilson e Milton eram identificados como comunistas pelos grandes fazendeiros locais, por terem apoiado o Sindicato dos Trabalhadores na Lavoura de Governador Valadares.

Segundo o processo nº 35.679, do Superior Tribunal Militar (STM), no dia 1º/04/1964, o Delegado de Polícia de Governador Valadares declarou que:

"devido à falta de elementos no destacamento policial, convocou Maurílio Avelino de Oliveira, Lindolfo Rodrigues Coelho e Wander Campos, todos reservistas, para prestarem serviços, localizando e interceptando elementos comunistas, bem como conduzindo os prisioneiros à Delegacia, em virtude do ‘Estado de Guerra’ em que se encontrava o Estado de Minas Gerais, aliás expressamente declarado pelo general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, a cujo mando foi incorporada a ao Processo nº 35.679, do Superior Tribunal Militar."

A estranha reincorporação dos três fazendeiros em serviços de natureza policial pelo delegado tenente-coronel Paulo Reis teria ocorrido às 8 horas da manhã do dia 1º/04/1964, apenas uma hora antes da ocorrência criminosa. Deve-se deixar em aberto, portanto, a possibilidade de que essa convocação tenha sido tão somente um expediente formal forjado a posteriori para conferir alguma cobertura legal ao assassinato e facilitar a defesa jurídica.

Segundo os depoimentos de Zalfa de Lima Soares, esposa de Wilson, e de Eunice Ferreira da Silva, empregada doméstica na residência da família, bem como as declarações dos próprios assassinos, sabe-se que às 9 horas do mesmo dia os três se dirigiram a casa de Wilson Soares da Cunha, na Rua Osvaldo Cruz, 203. O alvo principal da incursão seria o filho Wilson, que sobreviveu aos disparos.

A viúva de Otávio, Guiomar Soares da Cunha, conseguiu do delegado Paulo Reis a abertura de Inquérito Policial. Segundo o jornal Última Hora, em 72 horas o delegado Bastos Guimarães tinha o nome dos criminosos e os denunciou ao juiz Alves Peito, que decretou a prisão preventiva dos acusados. Os assassinos passaram à condição de foragidos. A partir daí, travou-se uma batalha política envolvendo os coronéis Pedro Ferreira e Altino Machado, o major do Exército Henrique Ferreira da Silva, a Associação Ruralista de Governador Valadares e outros apoiadores do novo governo, resultando na decisão, tomada pelo coronel Dióscoro Gonçalves do Vale, comandante do ID-4, de requisitar, com base no primeiro Ato Institucional, que o processo das mortes fosse transferido para a justiça militar.

O Inquérito Policial Militar (IPM) foi chefiado pelo major Célio Falheiros. Em 19/08/1966, o conselho extraordinário de justiça do Exército, na sede da auditoria da 4ª Região Militar, homologou a farsa jurídica inicial. O promotor Joaquim Simeão de Faria pediu ao conselho que decidisse se “no dia do crime ainda se considerava em estado revolucionário, pois, apesar dos tiros terem sido desfechados pelas costas, se estivessem em estado revolucionário haveria de ser considerada a situação em que tais tiros foram desfechados” ou se os acusados simplesmente cometeram homicídio doloso.

Os advogados dos criminosos alegaram que os três acusados “estavam no estrito cumprimento do dever legal”, que a “situação era revolucionária e estavam em guerra”, que “os acusados, ao receberem voz de prisão, tentaram a fuga, o que determinara a reação dos acusados, que somente poderiam tomar atitude enérgica e viril eis que de dentro da casa onde tentaram refugiar não se sabia o que de lá viria”. Na decisão, o conselho mandou apurar as responsabilidades das pessoas apontadas como subversivas e, por maioria de votos (4 a 1), absolveu os acusados Wander Campos e Lindolfo Rodrigues Coelho. A absolvição do acusado Maurílio Avelino de Oliveira foi por 3 a 2. O Ministério Público recorreu ao STM, que reformou a sentença.

Em Governador Valadares, havia sido oferecida denúncia contra os assassinos, em 17/05/1965. Os réus obtiveram no STF habeas corpus, recolhendo-se os mandados de prisão. Depois de uma série de tramitações judiciais, o STM, em 11/01/1967, condenou os três criminosos a 17 anos e meio de reclusão, por unanimidade. O jornal Estado de Minas, de 03/11/1996, em matéria denominada “Memória de um Crime”, assinada por Tim Filho, informa que os criminosos foram indultados por intermediação do governador Rondon Pacheco. O relator na CEMDP concluiu que:

"há decisões jurídicas comprovando que os três criminosos desempenhavam serviço de natureza policial convocados por autoridades militares. Tanto é que foram julgados, absolvidos e condenados no âmbito da Justiça Militar. Comprovada está também, fartamente, a motivação política dos crimes. Duas pessoas foram mortas, com tiros pelas costas e uma ferida, estando todas desarmadas, após receberem ordem de prisão. Preenchidos estão todos os requisitos exigidos pela Lei nº 9.140/1995."

Diante disto, o relator votou pelo deferimento do processo. O general Oswaldo Pereira Gomes solicitou vistas ao processo e lavrou o seguinte voto vencido:

"Verificamos que o STF tomou uma decisão política por 4 a 3 votos, mandando julgar pela Justiça Militar um ato Revolucionário de civis que obviamente não poderiam ser punidos, por terem sido vitoriosos e, se fosse o caso de punir, o julgamento deveria ter-se realizado na Justiça comum. Ao final de tudo e para reparar o absurdo, a pedido do austero governador Rondon Pacheco e sob a responsabilidade do inatacável homem público que foi o presidente Castelo Branco, os homicidas foram indultados. Essa Comissão não deve e não pode julgar com critérios políticos, sobretudo revanchistas; estaremos, se assim fizermos, cometendo atos ilegais e contrariando frontalmente a Lei nº 9.140/95, que nos obriga no art. 2º a acatar o princípio da reconciliação e pacificação nacional, expresso na Lei nº 6.683, de 28/08/1979 – Lei de Anistia. Inaplica-se, pois, a Lei nº 9.140/95, no caso de pessoas baleadas em via pública, no dia 1/4/1964, às 9 horas, no quadro de um movimento revolucionário, vez que esses indivíduos não eram agentes públicos, nem poderiam sê-lo naquele momento quando o movimento não era ainda vitorioso; no caso os agentes eram simplesmente rebeldes."

Os processos de Augusto e Otávio Soares Ferreira da Cunha tramitaram juntos. Ambos foram aprovados por 4 a 3 pela CEMDP, com votos contrários do general Osvaldo Gomes, de João Grandino Rodas e de Paulo Gonet.

Pai e filho foram reconhecidos como mortos pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos: procedimento administrativo CEMDP 345/96. Seus nomes constam também no Dossiê ditadura: Mortos e Desaparecidos no Brasil (1964-1985), no relatório da Comissão Nacional da Verdade, Mortos e Desaparecidos Políticos, volume III e nas publicações “Camponeses Mortos e Desaparecidos Excluídos da Justiça de Transição”, “Relatório final: Violações de Direitos no campo 1946 a 1988” e “Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos”.

Para maiores informações, sugere-se a leitura do Relatório Parcial da Comissão da Verdade em Minas Gerais - um ano de atividades e no Relatório Final da Covemg, o capítulo referente a Governador Valadares e o volume de Mortos e Desaparecidos

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